“Perdoe-me, padre. Eu pequei…” Assim ela rompeu um monólogo. Sentado no último banco da igreja, eu escutava quase toda a sua confissão. A igreja estava vazia. Apenas algumas velas acesas pelos fiéis. Ela continuava a confessar todos os seus anseios e pecados já subjulgados por quem escrevera a lei divina. A cristalina gota que escorria da pia de água benta, refletia cada lágrima de sonho que ela despejava ao padre, se culpando apenas pela inconsequência de ser humana. Cada som que a boca dela emitia, me lembrava de melodias que eu mesmo já havia entoado. A agonia do apego. O fogo do desejo se transformando em uma noite fria e escura de más escolhas. Suei frio. Mas aguentei por mais alguns minutos. Até que cansei das lamúrias e fui até a porta da igreja fumar um cigarro. As mãos tremiam. Foi quase impossível acertar o isqueiro na ponta do cigarro. Um senhor que vinha passando, pareceu ler minha linguagem corporal e veio até mim.
– Bom dia! O senhor tá bem? – me esticou a mão cumprimentando
– Bom dia. Estou sim. Só uma tontura por conta do calor. Queda de pressão – respondi cumprimentando com a mão trêmula
A conversa se discorreu com perguntas simples de um diálogo amistoso. Até que o senhorzinho pegou sua bicicleta e seguiu seu caminho.
Nada me fazia esquecer das palavras dela de joelhos. Eu já não me reconhecia mais. Três dias atrás e tudo estava perfeito. Até mesmo uma honraria do prefeito eu havia ganho pelos serviços prestados à comunidade. Eu tinha sido sempre um exemplo de autocontrole. Se não fosse a humanidade. Se não fosse filho de mãe e pai. Se não fosse alguém correto. Mas o que é correto? Tudo havia desmoronado. As palavras da mesma, continuavam a pairar em meus ouvidos.
– Peço perdão por ter corrompido. Peço perdão por ter gostado. Peço perdão pela tentação. Peço perdão por não ter perdão. Eu assumo tudo, padre. Mas e agora? Como vou fazer? Como ele vai ficar? – e as lágrimas desabavam pelo encosto do confessionário
Eu não ouvia a resposta do padre. Apenas os suspiros e o choro tomavam conta do lugar. Minha cabeça rodava. Meus pés formigavam. Minha consciência se prendia nas cenas de dias atrás. O gozo, a vida, o prazer, o doce toque da liberdade. Todas aquelas horas postas em xeque à uma comunidade inteira. Já sentia a forca em meu pescoço. Meu corpo já começava a aceita o fim em vida. O nó na garganta me fazia tossir em cada nova tragada. Nem ligava mais pros vícios que escondi uma vida inteira. Até que então, ela havia terminado a confissão. Passou por mim e apenas disse:
– Te espero no carro. – e saiu com os olhos vermelhos de choro.
– Não vou demorar. – respondi e entrei novamente na igreja fazendo o sinal da cruz.
O som do silêncio parecia um grito a me ensurdecer. O tintilar das cortinas me fazia tremer. Logo eu que jamais tremi. Passo a passo me dirigi ao confessionário. Sentei-me no banco, encarei o padre e ele me disse:
– Padre João, que alegria tê-lo em nossa paróquia. Mas por que veio até o confessionário? Nossa confissão de sacerdotes é semana que vem ainda. – perguntou padre Mário.
– Perdoe-me, padre. Eu pequei. – a voz quase não saiu
– Diga-me o que de tão grave fizeste, padre João? – respondeu Mário em um tom de surpresa.
– Sabe aquela moça que esteve aqui agora?
– Sei sim. Pobre coitada. Carregará o mundo nas costas e na barriga.
As lágrimas me vieram aos olhos. Engasguei, mas não o suficiente para conseguir dizer:
– Eu sou o pai do filho que ela espera.
Yuri Cidade
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