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Espelho, Espelho, Eu.

Se o mundo é cão, o meu é osso. Descomposto, parti rumo ao ataque, acendi um cigarro e soprei meus anseios. Em cada canto que leio, vi quão minha vida se dissolvia fronte a hipocrisia em cada vez que pronunciava: Eu vivo. Percorrendo os crivos e alheio a própria sorte, desatei a rir da morte, pois em cada personagem do meu dia, uma nova vida se dissipa sem ao menos questionar-se sobre a minha.

Brindei o inferno, espantando minha sanidade, desejando que logo venha o calor e espante o frio de um julho quase agosto. O oposto sempre fora o que era imposto à minha realidade. De mansinho, ignorei o ônibus quebrado e me pus à serviço do diabo. Passei a rir do própria fiasco e a deixar que os santos tomem pra si, a responsabilidade de corromper os demais. De mais a mais, faltei ao serviço hoje e deixei que minha mente se ocupasse do que realmente queria fazer. Vi o sol nascer, as crianças a brincar, e o mais importante, eu simplesmente preenchi o vazio de uma rotina cheia, com absolutamente nada. Meu pragmatismo ficou esquecido no meu livro de cabeceira, puxei a cadeira e fiz meu café tranquilamente, aniquilando qualquer caótico compromisso. Omisso ao que se passava na minha realidade obrigatória, sentei-me por horas de frente ao meu espelho a dialogar insanamente sóbrio comigo mesmo.

Entre o que sois vós, nós, eu, ele e após, desatei os nós que amarravam meu apego às coisas sem apreço que embalavam meu berço de cobre. Pobre e sem rumo, perdi o fio do prumo, mas em cada relance de dispersão, meu eu-irmão me pegava pela mão e trazia-me ao assunto. Astuto, como sempre fui, filosofei sobre Darwin e a santa cruz, a qual eu mesmo me impus tão crucificado quanto Cristo. O que já fora visto, já foi lembrado, então já é mais do que passado a navegar no limbo do imaginário. Nas paredes do aquário, o vidro me separa de tocar a realidade, assim como o presente se separa do futuro por suas invisíveis paredes imaginárias. Entre as várias faces do irreal, o conceito de normal perde efeito, deixando que o preceito de tudo, seja minha personalidade a servir de escudo. São golpes, toques, esquivas e dilemas. Há cada problema, a solução na dissolução dos atos, deixando que os fatos, em sua sequência meramente óbvia, desenhem uma figura nova de um velho retrato. No chão, só os cacos do que fora destruído no último segundo, um profundo escuro do imundo vazio que o nada traz à tona em cada sentimento humano. Ser pessoa é ser mundano.

Egocêntrico assumido, me entrego à trupe dos perdidos, os desgarrados do rebanho divino que resolveram sobreviver a própria natureza. A beleza que meus olhos conceituam, são as das pequenas partículas que atuam, pondo o caos e a luz no mesmo ambiente, deixando nosso inconsciente atuar como se o único tempo existente, fosse o presente. Destino é desvio de desculpa, deixando que a culpa recaia no abstrato dom de prever a desgraça advinda da ignorância. A inconstância humana, dá vida a ânsia que faz perder o traçado da nossa obra prima. Se copias, não desenhas, só desvias teu ser daquilo que és, ficando somente aos pés de se autoconhecer. No amanhecer, o sol invade meu apê e me lembra que não desliguei a TV. Meu espelho se rachou em mil pedaços, meu quarto abriga os vazios maços, lembrando-me de que a noite nada mais fora do que um cansaço, preço pago, para se autoentender. Já não tenho certeza do que posso ver, ouvir, sentir ou tocar, pois tudo recai sobre meu cérebro, e se este eu cismo em deixar modo ébrio, a vida nunca passará de uma ilusão. Mas se tudo é tão ilógico e irreal, não me importarei em viver em uma eterna experiência surreal. Por mais que eu cave minha mente, jamais encontrarei a raiz. A realidade estará sempre por um triz.

Yuri Cidade

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