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Foto do escritorYuri Cidade

Flertes e vícios: Inferninho

Naquela noite eu caminhei sem um puto na carteira. Tinha em meu bolso esquerdo da camisa um resto de maço de cigarros e meio quilo de nada. Assim como andava minha sorte. As pessoas me cobram até a sorte delas, como se meu azar fosse um prêmio de consolação. Pois bem, seguia eu rumo ao nada. Realmente eu não achava um lugar na cidade que me agradasse. E tinha sido expulso dos que eu gostava. Estava no ápice do caos. Enfiava a cara no papel e batia na máquina como um operário de Satã. Café, cigarro, uísque, remédios pra ficar acordado, remédios pra desmaiar, boemia em excesso. Passei de boêmio a mero bêbado esquisito. Meus vizinhos já me olhavam torto e as mães tiravam as crianças de perto de mim, com medo que eu fosse o homem do saco. Realmente eu estava um caco. No meio do caminho lembrei-me que havia deixado um envelope com metade do pagamento de uns direitos autorais. Eram 3 da manhã: cedo demais pra quem não vai dormir. Voltei em casa, peguei o dinheiro, acendi um cigarro no bico do fogão e me olhei no espelho. Eu estava um lixo. Todo errado, fodido e digno de pena. Não podia ficar assim. Tomei um banho completo. Aparei a barba, escovei os dentes, arrumei o cabelo e escolhi meu melhor paletó. Olhei novamente no espelho e parece que eu havia rejuvenescido uns 15 anos. Meti um perfume, enrolei um baseado e fui. Sempre fui de humores e sentimentos instáveis. Talvez por defesa. Ou simplesmente porque eu sou um pau no cu. A bipolaridade sempre me caiu bem. Disparei pela rua atrás de um boteco ou qualquer coisa que fosse um caos. Nada. Nem uma bodega aberta. Caralho. Porém, ouvi um jazz sensual rolando. Fui seguindo aquele som e o achei. A música vinha de inferninho. Uma zona, puteiro ou qualquer nome que o povo queira dar. – Boa noite. – um segurança enorme na porta. – Bom dia, grande. Como tá pra entrar aí? – Só passar pela porta e não arrumar confusão. – Ok. Entrei e vi a típica cena de puteiro. Mulheres, velhos bêbados, alguns idiotas numa despedida de solteiro, aquela coisa de sempre. Peguei uma mesa no fundo e me sentei. O incrível é que passavam meretrizes, garçons e os caralho, mas nenhum atendia meu chamado. Puto da vida fui até o balcão, onde um senhor grisalho, com uma barba avantajada, atendia. – Pô, amigo. Faz meia hora que chamo o serviço e nada. Tem alguma regra de atendimento que não conheço? Ele deu uma risada sarcástica e falou: – Até aqui tem fila, querido. Ou acha que tens tratamento especial? Você se acha especial? – Sou. Tao especial quanto una garrafa esquecida que voce encontra 3 meses depois. Tudo bem. Mas nem pra avisar? – Pior que você é especial mesmo. Nunca tive duvidas. Mas cobras um aviso. Você avisa todo mundo das suas obrigações? Fiquei em silêncio e ele continuou. – O que vai querer? Além de ser endeusado. – Ô abençoado, cê tá me zoando? Me dá um uísque pra eu não ter que ver mais tua cara. É um falatório sobre mim absurdo. Eu sou um humano normal. Eu jogo, transo, bebo, afogo mágoas, mutilo sentimentos e sobrevivo aqui. Mas jamais alguém poderá me acusar de que não fui eu mesmo. Você pode ser o todo sabichão aí, mas se esconde atrás de um balcão com diálogos filosóficos baratos para clientes que só querem foder. Em vez de vestir personagens, dispa-se deles como eu faço. Eu os atiro todos numa folha de papel. – Aí ficou nervosinho agora. Rapaz, primeiro que eu já fui um abençoado. Hoje tô mais excomungado. E como você pode ver, não tem mais lugar vago nas mesas. Vai ter que beber no balcão. Mas você tem razão. Nunca vi ninguém tão peculiar. A maioria das pessoas chega aqui e se solta. Mas ao voltar pela porta que entraram, viram cordeirinhos seguindo imposições morais falhas sobre tudo na vida. Deve ser por isso que fui expulso de casa. Me vejo em você, rapaz. Olhei pra trás e tudo estava ocupado por um monte de gente com olhos esbugalhados. Pareciam usuários frenéticos de cocaína que ficaram burros. – Porra, mas eu nem vi essa gente entrar. – Voce só nota o que lhe convém. Como a maioria das pessoas. Por isso minha freguesia vive lotada. – Nao sei como vive. Esse lugar é bem mediano. Já frequentei puteiros melhores. E além disso, não me venha com esse papo de que só ver o que convém. Vejo mesmo. Vejo tanta coisa que as vezes queria ser cego. Porém, a vida me convém a admirá-la. – Ah, então você se acha bom demais pra vir aqui? E a vida é tão melhor lá fora? Fiquei com vergonha. Mas as palavras saltavam da minha boca. – Ah, vai tomar no cu. Só quero meu uisque. Perdi até a vontade de foder. Esses assuntos de se achar ou não melhor que alguém, nem vale a pena ser debatido. Estamos todos no mesmo barco. Tanto os soberbos quanto os humildes, praticam suas ações para o bem próprio. E eu vou embora. Vim aqui pra foder e acabei perdendo tempo. – Que pena. Melissa ia adorar servi-lo. – Opa. Quero conhecer. – dei um gole largo no uísque e acendi um cigarro. O barman chamou e veio um ruiva linda. Talvez as sardas mais lindas que vi na vida. O calor chegou junto com ela. Sentou ao meu lado e pediu uma vodka pura. – Gosto de mulheres que sabem beber. Não das que desmaiam, óbvio. Ela deu um risinho. – Então, você quer me conhecer melhor? – disse-me. – Com certeza. – Interessante. – puxou as chaves e me levou pro quarto. Foi um dos maiores orgasmos da minha vida. Transamos feito loucos durante algum tempo. Fiquei tão exausto que apaguei. Acordei com um leve toque no nariz. Abri os olhos e lá estava o barman deitado ao meu lado. – Caralho! Que tá fazendo aqui? – saltei da cama nu e comecei a catar as roupas – Admirando sua satisfação. Temos que sempre ganhar o cliente. Devia te dar um cartão fidelidade. – Vai se foder. Cadê a Melissa? – eu tentava colocar a calça, mas estava justa demais. – E que história é essa de falar em fidelidade dentro de um puteiro? – Amigo, essa calça nem sua é. Se você olhar é um jeans de alguma menina. – atirei a calça pro lado – Melissa é um ser livre. Vai e vem. Nem eu tenho poder sobre ela. Mas ela, pelo visto, tem um grande poder sobre você. E mais uma coisa, você acha que não há fidelidade? – bla bla bla – retruquei – Vou no banheiro. É só pra constar: Só é fiel quem cultua seu próprio ser. De resto, só ilusão e massa de manobra. – Ok. Mas antes, recapitule comigo: você estava bêbado, pegou todo o dinheiro, veio até aqui, bebeu, fodeu e vai embora. Por quanto tempo aguentaria isso, já que é tão bem resolvido? – 2 dias. Posso ser bêbado e depravado, mas não idiota. A vida é uma bosta porque tudo vira rotina. Tanto foder quanto trabalhar, ambas as coisas vão ser sempre uma tortura, pois quando se torna obrigação perde-se o encanto. Ou seja, o encarceramento em qualquer situação que seja, se torna um inferno. E você devia saber disso. O homem arregalou os olhos, fez uma pausa e disse: – Cada dia que te encontro, você me impressiona de uma maneira diferente. Nem Deus e seus anjos puritanos seriam capazes de te converter ou de dobrar sua personalidade. Continue assim e terá um lugar especial na história, principalmente na sua. – O que? – não entendi muito bem – Eu te conheço? – Já nos esbarramos umas tantas vezes por aí. Mas deixa pra lá. – virou as costas e saiu. Chamei-o de volta, mas só um eco me respondeu. Fui no banheiro, lavei o rosto e quando passei a rolha no rosto, flashes começaram a surgir: personagens, viagens, criações, incomodações e tudo que havia dentro de mim. Me assustei. Mais uma noite estranha. Terminei de me arrumar e sai do quarto. Desci as escadas e o bar estava vazio. Não só vazio de gente. Não havia nada ali. Era uma sala vazia, abandonada com um balcão. Fui até lá e encontrei um copo de uísque e minha comanda paga, com os seguintes dizeres, escritos em caneta vermelha: “Essa é por conta da casa, velho amigo.” Sentei, bebi e decidi: “Tenho que parar de flertar com o diabo.”

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