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Foto do escritorYuri Cidade

Minha mãe não deixa

Como bom cigano dos tempos modernos, já vivi em diversos cômodos e cantos. O encanto da melodramática tragicomédia tropical da busca incessante pelo meu lugar. Na maioria das vezes as pessoas com esses espírito nômade são acometidas de sentimentos de liberdade, leveza, paz e amor, e essas coisas meio hippies que usamos para mascarar nossas dores. Ao contrário disto, eu preferi sempre o caótico mundo humano. Afinal, ser humano é a meta. Nada além disso.

Abusando da humanidade, eu pude ver certas cenas, as quais as pessoas acomodadas não estão acostumadas, ou simplesmente ignoram achando que é coisa de novela. Pois bem, me lembro como se fosse hoje. O dia era ameno. Aquela porcaria que não é nem frio e nem quente. É como se fosse uma foda na meia bomba. Por mais que você queira que aconteça, as coisas continuarão mornas.

Estava eu, em meu apartamento minúsculo, à fumar enquanto assistia um noticiário sensacionalista qualquer. Meu telefone tocou:

-Alô!

-E aí, veado? Ta de bobeira hoje? – inconfundivelmente era Carlos

-Fala, corno! Pior que tô. Peguei umas férias aí. Que tu me sugeres?

-Então, topa tomar umas com uns amigos meus?

-Amigos? Cadê o Paulo e Sérgio?

-Ihhh esses tão com as mulheres hoje. Esquece deles.

-Tudo bem. Eu topo. Que horas?

-Umas 9 horas eu passo aí.

-Fechado! Falou.

-Falou. – desligou o telefone.

Bom, eu sempre espero mais de qualquer coisa que eu faça. Alguns dizem que é intensidade artística, outros que é ansiedade mesmo, mas eu queria algo novo aquela noite. Queria emoção.

Tomei um banho, me arrumei e me pus à espera de Carlos. Ele incrivelmente estava pontual naquela noite. Desci correndo as escadas e adentrei no velho Santana dele.

-E ai, meu bom? Tá pronto pra uma aventura hoje?

-Aventura? Desde quando um churrasco cheio de machos é aventura?

-O churrasco é uma desculpa. Hoje a gente vai ajudar um amigo nosso que vai estar lá. Você vai ver. Aguarda e confia.

-Tua sorte que hoje eu tô pelo estrago. Se fosse em outro dia, te faria um questionário. Hoje, simplesmente vou cagar pro que você decidir.

-Assim que se fala.

Seguimos até a casa do tal amigo de Carlos. Uma boa casa, aliás. Conheci a galera e me enturmei rapidamente. Cerveja, cigarro e carne. Até aquele ponto a coisa estava bem normal. Porém, eu podia notar um cara mais retraído, de canto pra balburdia toda. Me aproximei e falei:

-Tá preocupado com o que, amigo?

-Nada, nada. É que moro com minha mãe… Ela já tem certa idade, e ainda tem a mania de não dormir enquanto eu não chegar.

-Mãe é mãe, né. Mas que mal lhe pergunte, qual o teu nome mesmo?

-André…

-Relaxa então, André. Toma uma comigo.

-Não posso…

-Que? É crente também?

-É que minha mãe sente o cheiro e faz uma confusão. Meu pai morreu de cirrose…

-E daí? O meu morreu de infarto transando com uma meretriz na garagem de casa. Nem por isso deixei de usar a garagem… Se é que me entende.

-É que minha mãe tem muitos problemas…Tem idade muito avançada. Não quero ser um estorvo para ela…

-E ela pode ser o seu estorvo? Quer dizer então que, quando você leva suas namoradas pra casa, ela vai conferir se tu botou a camisinha?? – dei uma risada

Ele fechou a cara, pediu licença e foi falar com Carlos. Caguei. Enchei meu copo e puxei conversa sobre aventuras sexuais com os demais integrantes.

As horas foram passando, e eu notava que André ficava cada vez mais apreensivo. Olhava o relógio freneticamente. Bebia alguns goles pra ver se relaxava, mas continuava com cara de criança que fez merda. Com isso, chamei Carlos e perguntei:

-Porra, mano! Qual é o problema desse cara?

-Então, sabe a aventura. Mais uns dois copos que ele beber e ela vai começar…

-O que? Não entendi nada. Tô bêbado já. Fala claramente.

-Seguinte: Ele é o maior filhinho da mamãe. Só que isso prejudica a pessoa. Você bem sabe disso. Acredita que ele nem mesmo comeu alguém??

-Tá me zoando? Esse cara deve ter uns 30 anos. Mas nem que ele quisesse, ele seria virgem.

-Tô falando! O pai dele morreu muito cedo, e ele assumiu a casa enquanto suas irmãs saiam e casavam, tocando suas vidas. Elas foram embora do país e ele ficou com a mãe. A velha não tem ninguém. Só ele.

-Tá, mas desde quando ter mãe impede alguém de trepar? Você nunca trocou uma ideia com essa velha pra ver se é mesmo tão carrasca assim?

-Cara, ele jamais deixa alguém entrar na casa, pois diz que a mãe fica muito nervosa com visitas. Até quando vou buscar ele, o mesmo pede pra avisar quando eu saio de casa pra pegar ele na frente sem fazer barulho. Parece que a velha vive acamada, coitada.

-Que barra. Mas ele tem que sair do ninho, cara. Não faz bem…

-Aí é que entra a gente, meu amigo. Hoje vamos levar ele pra um puteiro.

-Agora tá falando minha língua! Se precisar a gente faz uma vaquinha pra ele perder o cabaço.

-Não pensei diferente – riu

Fomos deixando André cada vez mais alegrinho, mas ele sempre lembrava da mãe. E lá pelas duas da manhã, o mesmo vai até onde eu e Carlos estávamos e pede:

-Carlos, você pode me levar em casa rapidinho. Se fosse perto, eu iria até a apé, mas né. Estamos há 10 quilômetros de casa. Minha mãe deve tá preocupada. Ela não dorme…

-Eu sei, eu sei – respondeu Carlos – Eu te levo, mas você vai ter que ir num lugar com a gente…

-Eu não posso demorar… Onde é?

-Você vai ver. Vai ter que confiar na gente. – falou Carlos enquanto eu segurava a risada.

Saímos da casa e entramos no carro. Eu no banco do carona e André no banco de trás. Emborquei um grande gole na cerveja, acendi um cigarro e abaixei o vidro. Sentia o vento na cara. Enquanto que no banco de trás, André se mantinha nervoso.

Virando em vielas e ruas estreitas, chegamos ao puteiro.

-Ah não! Eu não vou entrar aí! Vocês são malucos…

-André – segui dizendo – Se você tava há 10 quilômetros de casa, imagino que esteja há 20. Então, faça o favor: Bebe um bom gole desse uísque, abre bem esses olhos e manda o mundo se foder. E fode também.

Com muita relutância, arrastamos ele pra dentro do bordel. Não demorou muito para que aparecesse em nossa mesa algumas garotas. Todas pareciam perceber que André estava desconfortável e sentavam em seu colo, riam, beijavam seu rosto corado, enquanto que eu e Carlos nos divertíamos vendo aquela cena.

Uma hora se passou e as meninas cansaram daquela brincadeira, afinal elas estavam trabalhando e não matando tempo com um três idiotas. Começaram a negociar e falar em que serviços podiam ser prestados.

-Seguinte: Nosso amigo aqui precisa de companhia, se é que vocês me entendem. Então, precisamos de que uma de vocês sejam carinhosa e atenciosa com ele.

-Ahhh que bonitinho – disse uma loirinha – Então não é com a gente que ele tem que falar. Somos mais safadinhas. Mas vou chamar a perfeita pra esse caso. Esperem.

Nesse momento, até André se empolgou. Estavam realmente fazendo algo de especial para ele, fazendo do mesmo o centro das atenções. Coisa que ele nunca foi enquanto morou e viveu para mãe.

Dávamos tapas nas costas, riamos, animávamos, e ele até nos agradecia. Finalmente tínhamos libertado a fera. Ele bebeu algumas doses, passou a mão nas meninas, riu, e brincou. Até que volta a loirinha com uma mulher muito bonita, porém mais velha que a gente. Uma morena de uns 37 ou 40 anos.

A morena sentou no colo de André, e ele ficou branco como uma vela. Suava frio. Disfarçava estar gostando de cada carinho que a mulher lhe fazia. Carlos estava tão bêbado e entretido com uma menina em cada perna que mal dava atenção pro que estava acontecendo ao seu redor. Ou seja, sobrou pra mim ver se André não ia ter um derrame.

Fiz sinal para André, indicando que ia ao banheiro. Ele entendeu e pediu licença, me seguindo.

-Porra, André! Qual é a tua? A mulher é linda e está sendo super legal com você.

-Cara, só me tira daqui. Por favor! Eu te imploro.

-Meu deus! O que aconteceu? Não vai me dizer que tua mãe vai sentir cheiro de boceta em ti, e vai brigar contigo. Se for uma coisa dessas, eu juro que faço tu comer meu sapato!

-É pior que isso. Ela.. Ela parece muito com minha mãe. Eu não posso. Eu não posso. É errado.  – começou meio que a chorar.

-André, já vi que não vai ter orgia hoje. Porém, eu já tinha combinado valores com as meninas, as quais deixaram outros clientes pra outro dia, contando com nosso pagamento. Ou seja, EU NÃO VOU EXPLICAR ISSO PRA ELAS!

-Nem eu! Meu deus! O que eu faço????

Duas coisas que me fazem ter ideias absurdas: Álcool e tesão.

-Cara, você já estava branco que nem uma vela. Aproveita a deixa e finge que está passando mal, sei lá. Algo do tipo…

Não consegui terminar a frase, André assentiu com a cabeça e se atirou fingindo um desmaio. Que cena bizarra. A coisa mais ridícula que eu já tinha presenciado na minha vida. Fiquei tão perplexo que esqueci de entrar de imediato no teatro barato.

Juntei o imbecil do chão, o qual estava apavorando o puteiro inteiro. Pus ele nos meus ombros e gritei pra Carlos, que realmente estava acreditando:

-Acerta nossas bebidas no balcão, pede desculpas para as meninas, e eu vou levar ele pro carro. Temos que levar ele no hospital para tomar algo. Acho que cheirou pó demais. – André nunca chegou perto de um baseado, mal sabia o que era droga

Carlos saiu correndo, pagou as coisas e me encontrou no carro. Lá estava eu puto da cara e André se lamentando:

-Desculpa, caras. Estraguei a noite de vocês. Mas não dava. Ela era igual a minha mãe quando nova.

Não falamos nada. Ficamos silenciosos até deixar André em casa. Ele desceu, abriu o portão e adentrou pela porta. Vimos uma luz acesa, e a sombra de André passando por ela, como se estivesse falando com alguém. Escutamos também algumas coisas quebrando, e isso nos deixou muito curiosos. Bêbados que nem dois gambás, tivemos mais uma brilhante ideia: iríamos entrar pra conhecer a velha.

Fingimos que fomos embora, deixamos o carro na esquina e voltamos a pé até a casa de André. Pulamos o muro e fomos para perto da janela onde a luz parecia acesa

-Não, mãe! Eu não fiz nada. Foram eles. A senhora tem que me perdoar. Não me castigue. Eu sou seu filhinho querido. Eu cuido da senhora… – continuava um diálogo de lamentação

Começamos a rir de desespero, pois a cena era bizarra demais. O que nos intrigava de verdade, é que só André falava. Não conseguíamos escutar a mãe dele. Até que chegou o ponto crucial da noite:

-Não, mãe! Me perdoa. Eu vou ficar pra sempre com a senhora… – Clic! Bam! um barulho de corpo ao chão e o silêncio.

-Caralho, Carlos! A velha atirou nele. Certeza. Essa porra de velha é maluca mesmo. Arromba essa porta.

-Eu não! Tá maluco? E se ela atira em mim?

-Mas a gente tem que fazer alguma coisa…

Pegamos o carro e fomos até a delegacia, contamos o que havia acontecido e voltamos com os policiais até a casa. Bateram na porta e ninguém respondeu. Estava tudo apagado dessa vez. A guarnição arrombou a porta e adentrou na casa. A morada parecia ter parado no tempo. Tudo estava no seu devido lugar, porém regado a pó e mofo. Silêncio e mais silêncio. Todos nós fomos ao cômodo onde André teria entrado. Acendemos a luz e lá estava: André com uma bala no meio da testa e o cadáver embalsamado, intacto e intocável, conservado durante anos, da velha com os olhos abertos e uma pistola não mão.

Acendi um cigarro tremendo, e desde aquele dia não visito mais um puteiro e muito menos julgo o que é sanidade e realidade, pois tudo é humanidade.

Yuri Cidade

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