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Foto do escritorYuri Cidade

Silêncio

 

Destacava-se o ébrio. O sóbrio e o sábio eram apenas restos de um passado mastigado e engolido em seco. Os cigarros queimavam até o filtro, na esperança que os próprios filtros cerebrais incendiassem com ele. Na cama eu me aprochegava ainda mais aquele corpo quente e nu adormecido ao meu lado. Sentia sua respiração profunda, como se sonhasse com algo mágico. O perfume dela se misturava com o fumo que perpetrava no quarto. Cansado, eu não conseguia dormir. Olhava pra Tv rodando um filme repetido, enquanto sentia toda aquela cena em meu travesseiro. Levantei e fui a cozinha molhar a garganta. A chuva estalava nas telhas, fazendo meu cachorro se esconder embaixo da mesa como se rezasse para não ser descoberto. Tomei a água direto da jarra, e como num clic, a luz se foi. Queda de energia. O bairro todo silenciou. – porra! De novo esse inferno. – talvez eu já imaginasse o que estava por vir. Voltei pra cama tateando as paredes. Me afoguei no travesseiro, mas ele não me quis. Escuridão. Tornei a perder o sono. A insônia te tira o sonho, e com isso, a possibilidade de trepar tranquilamente pela manhã. Uma voz me chamava. – An? Regina!? Cê falou alguma coisa? – perguntei ao vácuo. Nada. Nenhuma resposta veio. Sua respiração dela também havia se apagado. – Regina? – chamei mais uma vez. Nada. Tateei ao lado mas nem as marcas das suas curvas no colchão velho eu achei. – Mas pra onde diabos foi essa mulher!? Fiquei em silêncio. E a voz foi chegando ao meu ouvido. Dei um salto de susto e engoli em seco o grito. Minha voz se abafara. Senti mãos percorrendo meu corpo, risadas, e dizeres: – Onde você está? – uma voz ao meu ouvido – Quem? O que? – Diga pra gente, querido. Sente isso? – um tapa na cara me tonteou. -Mas que porra é essa, Regina? – Regina? Nunca esteve aqui, essa daí. Somos bem mais que um abraço aconchegante e um par de coxas. Emudeci. A risada me ensurdecia. Tapei os ouvidos mas o som subia cada vez mais. Era desperador. O caos veio com a ida da luz. Lágrimas escorriam dos meus olhos sem nem eu saber motivo. Me pus a cantarolar idiotamente ignorando aquelas vozes e sombras rodando o que parecia ser meu quarto, pois já não sabia mais onde estava. Morbidez me assombrando em cada fato relembrado. Os cacos quebravam. A chuva parecia rachar o teto. Trovões precediam as gargalhadas que sobrevoavam meu juízo. Arrepios e toques leves de algo pontiagudo tomavam conta do meu corpo. Lutei contra tudo e todos, mas nao acertei nada. Incrédulo, aceitei meu destino é gritei. – PUTA QUE PARIU! OK! ME LEVEM! ME COMAM. MAS POR FAVOR PAREM DE ME ENLOUQUECER. REVELEM-SE! Neste instante, a luz voltou, Regina pulou assustada de seu lugar: – An? O que houve? Meu deus, tem alguém aqui? Cê tá bem? Pálido e com os olhos arregalados, respondi: – Nada, querida. Foi só um pesadelo. Volte a dormir. Ela se recostou no meu peito e adormeceu novamente. Dessa vez o som era somente o de minha TV e a respiração de Regina. Fiz um hipocritamente um sinal da cruz e pedi aos orixás que não me deixassem a sós novamente com meus pensamentos. Pois não há nada mais assustador do que minha relação com o silêncio.

Yuri Cidade

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