Nem sóbrio, muito menos distinto e de caráter duvidoso. Naquela noite nem uma só alma permaneceu virgem. A bagunça era geral. Feriado emendado com fim de semana, nos dá o direito da anarquia, estendendo a boemia para toda e qualquer hora do dia. Precisamente 22 horas e eu recém levantará do sofá. Cochilei depois de três uísques e acordei renovado. Necessitava da rua, da pele nua da noite, beijando-me com a neblina de seu cigarro. As estrelas brincavam o caos, deixando que a humanidade não se importasse se haveria um amanhã. Desfilei pelos caminhos, com o cigarro em meus lábios, procurando um boteco de fina estirpe para, quem sabe, não terminar sozinho, com uma poça de bonito e um cachorro tentando trepar com meu braço. Queria o abraço eterno de uma madrugada de 48 horas. Certo perfume atraiu-me para dentro de um pub com iluminação quente, porém discreta. Não era um puteiro, tampouco haviam damas dispostas a cobrar pela minha diversão. Todos que habitavam o recinto salavivam em busca da perversão sem culpa. Somente pelo prazer de serem humanos. Sentei-me ao balcão e pedi a primeira rodada. E assim viraram mais três. Na quarta, a vida já não era mais cinza. Uma moça percebeu o clima e aprochegou-se a mim. – Boa noite, estranho. – Opa. Boa noite! E ai? Tudo bem? – Depende. Estará tudo bem se você quiser me fazer mal. – tomou um gole de meu uísque e apertou minha coxa com suas unhas. – Como? Tudo que passa por minha cabeça agora, são todos os modos possíveis de lhe fazer bem. – Mas quem disse que o mal não pode ser bem? – Me confundes… – Oras! Deixe disso. – Agarrou-me pela nunca e me beijou intensamente, mordendo meus lábios, criando uma dor prazerosa. – Te fiz mal? Senti o gosto de sangue na boca e disse: – De modo algum. – nos beijamos novamente. A situação esquentou e transamos no banheiro mesmo. A sensação de poder ser pego fodendo excitava ambos. Tapávamos a boca um do outro para que nossos gemidos não chamassem a atenção de curiosos ou punheteiros. Gozamos. Ao abrir os olhos, vários pares de silhuetas cercavam-me. Estava só e nu no chão do banheiro. – O que é que estão olhando, filhos da puta? – Esse aí está mais louco que a gente. – falou um brutamontes a seus companheiros. – Vão se foder! – Peguei minha roupa e vesti rapidamente. Ao voltar ao salão, nada mais brilhava. O gosto da ressaca já tomava posse e minha amante havia tomado sua última dose. Partiu sem nem se despedir. Não deixou nome, endereço ou telefone. Era como um miragem que me fez gozar e foi embora, deixando-me para morrer de sede no deserto. Perguntei aos bêbados restantes, mas ninguém sabia dizer quem era a tal mulher. Tampouco lembrávam-se de tê-la visto. É bom, a foda havia sido incrível e rumei ao lar me sentindo imbatível. Ao adentrar em meu sobrado, fui direto para o banheiro mijar. Assim que fui lavar as mãos, percebo o reflexo da moça em meu espelho. – Mas que diabos! Como chegou aqui? – Eu o segui, obviamente. – Mas por que não veio comigo? Jamais teria te dito não. – Qual seria a graça de ser óbvio? Me agarrou novamente e transamos pela casa toda, alternando posições e risadas. Ao atingir o êxtase, desmaiei de exaustão no tapete da sala. A terra completou seu movimento de rotação e rodei para o lado, dando de cara com o sol que queimava meus olhos. Assim que recuperei a visão, percebi que me restava a nua solidão do programa dominical na televisão ligada sem sentido algum. Porra! Ela havia sumido outra vez. Levantei, me vesti, tomei um café e fiquei vegetando e escrevendo em minhas paredes um novo poema. Ela não me saía da cabeça. Então, logo a noite chegou e saí para uma caminhada noturna na praça da cidade. Fazia calor aquela noite e o local estava cheio para o horário. Sentei perto de um orquidário, fumando um baseado e lendo outro conto do Cortázar. E eis que em meio a fumaça, surge a tal mulher vestida para matar. Ou melhor, vestida para me despir. Nem me deixou falar. Logo me agarrou e trepamos ali mesmo. Não conseguia rejeitá-la. Exercia um tesão hipnótico sobre mim, como se fosse tão óbvio quanto respirar. Transamos até desmaiar, e mais uma vez o sol tornoj a me despertar solitário. Nem seu perfume sobrara desta vez. Disparei para casa, me vesti e corri pro trabalho. O jornal estava mais agitado do que promoção de puteiro. E lá pelas 3 tarde foi quando consegui ir até a cozinha tomar um café e fumar um cigarro. O álcool ainda fazia morada em mim. Um inquilino bem assíduo. Para minha surpresa: – Você aqui?! – Indaguei à moça que surgia e aparecia cada vez que estava com tesão. – Cale a boca. Temos pouco tempo. – Logo me beijou e já estávamos transando contra a parede do depósito. Ao gozar, senti-me vazio e seco. Fui até a pia pegar água e ao voltar, ela já havia partido. Maldita filha da puta. Porém, quanto mais era abandonado mais tesão aflorava a espera de sua próxima aparição. O que era estranha, tornava-se bizarro. Ninguém a via ou conhecia. Era como um habilidoso gato que entra por sua janela da cozinha, come sua comida, mija em seu café e sai sem ser visto. A obsessão tomou conta. No dia que ela não aparecia, vagava por botecos e becos a sua procura. Enfim, a loucura. Não dormia direito, tampouco escrevia ou trabalhava. Afastaram-me do jornal para tratamento psiquiátrico. Me internei em um sanatório para ficar longe dela. Eu era um viciado sem sua droga. E como todo viciado em recuperação, tive abstinência. Cãibras, tremores e surtos. Certa noite, após um surto, fui amarrado na cama. Lentamente a porta se abriu e surgia uma silhueta de um uniforme de enfermeira. – SOCORRO! SOCORRO! ELA ESTÁ AQUI! – mas meu grito era só mais um entre tantos enfermos que lá surtavam. – Calma. – disse rindo – Fica quietinho. – Subiu em mim, entupiu minha boca com algodão e cavalgou até gozar várias vezes. Estava exausto. Morto por dentro. Chorei. A única sensação que me restava era o tesão. Apaguei e acordei com a equipe médica a minha volta. – Doutor, ela estava aqui! Eu juro! – Você tem que parar com isso. Sua imaginação estar dominando você. – Eu juro… Antes que eu pudesse continuar, me sedaram. Um ensaio para a morte foi como me senti. Talvez eu desejasse morrer mais do que desejava aquela maldita mulher. Passei longos dias sedado, sendo visitado apenas pela maldita. Por fim, aceitei meu estado. Comecei a fingir para os médicos de que ela não existia, evitando que eu fosse sedado ou amarrado novamente. Passei os dias fumando no jardim. Me isolei. E um certo dia, a moça surgiu e sentou ao meu lado. Pegou um cigarro, pôs em seus lábios rosados, tragou lentamente e ao soltar a fumaça disse: – Temos que assumir o que somos. – Hum… – Mal respondi. – Faz meses que fazemos isso e olha no que deu. Você vai ter que assumir para o mundo. – Já assumi. Batizei de transtorno mental ilusório. Já aceitei. Sou doido. – Não! Você não é! Olha só, meu nome é… Tapei sua boca com meus dedos e falei. – Não me conte nada. Não me faça perder o tesão. Ela abaixou a cabeça, e quando levantou os olhos eu havia sumido.
Yuri Cidade
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