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Acidamente Poeta

Escreveu não leu, foda-se, o poema é meu. Em letras miúdas são escritas as garrafais palavras agudas ao meu sentido. Aguça, instiga, dissolve e absorve meu ser. Tomo conta do papel, e ele me devora. Perco a hora e meu dia se rende em minutos. São casos fortuitos e desesperados, que talvez possam ser desfocados e até abrilhantados feito um conto da Disney. O cisne só é patinho feio, quando meio dá um fim. O ruim é sempre ter que aguentar ser taxado de preguiçoso a vadiar. Amar se tornou tão banal, quanto textos de autoajuda rabiscados pela necessidade de ser visto. Até mesmo Cristo virou personagem quando os homens se deram conta do poder da escrita. Humanidade naturalmente tornando a arte corrompida. São leis, textos, regras, diálogos ou epílogos. Em cada conto um ponto de impacto com o próprio ser. Ao meu ver, sou apenas escravo do que escrevo. Descrevo um começo, mas não sei o final, pois domina sobre mim, uma força sobrenatural de transe literária. É feito as crianças que entram em um armário e acordam em Nárnia. Sem identidade fixa, minha vida se derrete em palavras mistas, desafiando até mesmo a ortografia, afim de retratar uma saída pro meu dia. São horas, xícaras, cigarros, tragos e desalentos inquietantes, traduzindo meus instantes em semblantes fictícios de uma personagem a se descobrir em cada ato. Os fatos são até mentirosos, apenas os honrosos assumem a postura omissa a verdade infinita. Em tinta ou fonte 12, o poeta retrata a pose de uma musa ou um fato que seus olhos registram ou refletem da sua vida. Ainda que cortem meus dedos ou façam de mim um puro espelho do reflexo de um padrão, eu continuarei loucamente são a expurgar tramas pela minha mente. O tempo perde totalmente sua utilidade, pois o presente é tão somente o que minha vaidade permite inventar como verdade, quando minha humanidade vem a calhar. Sem par ou pretexto, o texto é meu mundo do avesso, onde permito-me viver o que sempre quis. Nos pontos finais, sempre um pedido de bis continua a ecoar nas minhas palavras pelo ar. Respiro as letras, deixo que as mesmas sejam parte do meu ciclo neurológico, abusando até do ilógico e irracional para transpor o conceito abissal de sanidade mental. Gosto mesmo é de ser considerado maníaco, louco, desvairado e retardado, mas nunca um aparvalhado a ser tão padronizado como as meras almas penadas que caminham na minha calçada. A minha alçada cabe somente subir as escadas do pensamento, deixando que o conhecimento se misture com o talento nato de um escritor bizarro, riscando palavras nos corredores mentais de cada atestado manicomial. Bem ou mal? Não me importa. A doçura da arte literária não se encontra nas palavras melosas, e sim nas maravilhosas sentenças de puro autoexorcismo. O escritor é dotado de cinismo, egocentrismo e vaidade, pois não há nada mais covarde do que usar da humildade para estabelecer sua superioridade frente ao público que lhe aplaude sem entender. Eu não escrevo para alguém resolver seus problemas ao ler. Eu escrevo simplesmente para ser um tormento, um infinito grito de: Eu estou vivo!

Entre tortuosos riscos caligráficos, me desfaço dos compassos rítmicos de inspiração compulsiva em cada gota de saliva. Molho a boca com ácido, o coração com álcool e brindo a mente com a brisa nata. As pegadas que deixo, são um alfabeto embaralhado, formando um retrato de um poeta em decadência. A minha decência não se encontra em padrões de etiqueta, se encontra na batida de cabeças que meus acidentes literários provocam na imensa vasão do mundo que se apresenta. Fenda após fenda, eu transpasso para trazer em cada passo meu maior desejo: Meus lampejos de criatividade abstrata. Pois o confuso me torna nítido, desfocando os indícios do conceito de normalidade. A validade é só o preço da tinta da minha caneta esferográfica. Abram as asas e voem dando rasantes na realidade alheia. Incomodem, persistam, dificultem a descida da areia de nossas ampulhetas vitais. Sejam animais. Quebrem as correntes e libertem-se da mesmice dócil do ser viciado em ter dó. Pois assim, quando nos esvairmos, restaram nossas letras e não somente nosso pó.

Yuri Cidade

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