Desde pequeno sempre fui fascinado por histórias. Outras curtas, algumas longas, a maioria humanas. Mas se Dalí podia surrealizar as pontas de seu bigode, tomei este direito pra si e decidi que iria usá-lo literalmente.
Passei a acreditar, e isto não é brincadeira, em histórias alheias de alguns contos quaisquer. Sempre fui apaixonado pelo conto de Alice no país das maravilhas. Talvez seja a história que eu queria ter escrito. Não nego meu apreço e encantamento pela obra de Lewis Carroll.
Pois bem, levantei, nem tão gracioso quanto Branca de neve e seus animais amestrados naturalmente, acendi um cigarro e comi uma maçã. Dura, seca e com gosto de desespero. Meu relógio só bate meia noite entao jamais uma abóbora ia virar um Escort.
Peguei o busão mais lotado que o Jolly Roger e a tripulação de tarados que Gancho trazia pelas 7 mares do esgoto ao céu aberto. O povo suava. Grávidas em pé, bêbados sentados, maníacos por todos os lados esperando a próxima vítima que teria o desprazer de passar há 7 centímetros dele, gente sofrida, gente que nem era mais gente.
Desci no centro e não havia como distinguir lobo mau de chapeuzinho. Andavam todos sedentos pelo próximo cartão de crédito a ser estourado. Pela estrada fora iam sozinhos rodeados por uma multidão de solitários. Tudo era cinza. Nem um pé de feijão mágico brotaria daquele asfalto.
Cruzei pela igreja e vi um batizado, onde um pobre coitado, sem noção humana de realidade, é sentenciado à uma fé dogmática. Isso é o mesmo que o homem de lata não ter cabeça. Até o Quasimodo era um gárgula dependura numa cruz. O foda é que pra esse povo, o mágico de Oz é um filho do diabo. Nem ligo. Nunca fui de reza.
O dia não parava, de minuto em minuto pulava um coelho atrasado de sua toca. A Hora do chá oferecia sabor à população faminta: spray de pimenta, servido na cara do operário que apenas deseja uma estrada de tijolos amarelos e um par de abraços no final do dia. A ilha da fantasia é a ilusão de um conhaque no bar.
Parti pro 4 cigarro do dia e não havia feito dez por cento do que precisava fazer. Corria pelo labirinto a procura do fauno, mas só encontrava blocos de concreto e serpentes a tentar me envenenar.
Enfim, cheguei ao escritório. Uma pilha de relatórios verdes de mofo, dos quais eu teria quer achar o feitiço certo pra ficar milionário. E o pior de tudo, eu era apenas o estagiário.
O dia beijou a noite, refestelando o tesão de uma cidade adormecida. Becos e bares lotados. Os soldados de chumbo tinham ganhado folga. A orgia mitológica de Dionísio e o sangue feito vinho a ser bebido em cada inocência roubada. O quebra nozes era o cafetão da bailarina. Ninguém se dá conta de que noite é uma criança e não sua puta.
Entre um desses botecos, chapeleiros malucos enchiam suas xícaras de ilusão. Uns eram machos, outros covardes, alguns desabafos, casos, cornos e um reino de almas em queda. Sentei com Jéssica Rabbit, a qual só queria sentir um gole de gentileza. Nada mais do que dividir a mesa sem ser vista como presa. A saia curta nunca foi o problema. A obsessão de Roger Rabitt é que fez sua própria cilada.
Não entendia mais nada. A garrafa dizia beba-me e eu atendia. Estava tão ruim que a dama foi embora e me deixou 5 reais pro táxi. Troquei por uma vaca de plástico e 6 cigarros avulsos. Um belo negócio que me fez caminhar 6 quilômetros a fio. Tem fatos na minha vida que dispensam exiplicação.
Esbaforido, vejo o porteiro a me encarar e soltar uma baforada de um palheiro fedorento.
– Quem és tu?
– O príncipe encantado do 412.
– Porra, poeta! De novo? Aqui nem tem andar pra isso tudo. Errou de prédio! O teu é do outro lado.
– Puta que pariu. É a terceira vez essa semana. Eu vou. Eu vou. Pode deixar.
Virei as costas e acertei o prédio. É complicado saber qual é a esquerda e a direita quando todas as placas te dizem: “Você está aqui.”
Enquanto encarava meu reflexo no espelho do elevador, cheguei à conclusão de que a realidade é uma questão de estar, então quem prefere delirar analogamente ao seu cotidiano, não se trata de um insano, e sim do pleno exercício do livre arbítrio.
As páginas do livro se acabavam no raiar do sol pelas frestas e falta de sono. A insônia te tira o sonho. Mais uma noite que virou madrugada e deu a luz à uma manhã que me oferecia um novo “Era uma vez…” para que tentasse escrever. um final feliz depois de tanto se foder.
Liguei a TV e o jornal avisava: A Rainha vermelha ordena à seus carrascos de coturnos: “CORTEM AS CABEÇAS!” Em terra de capital, quem não sustenta o sistema é um refugiado dependendo de abrigo divino.
No fundo, um saxofone, de um lúdico qualquer que havia virado a noite, embalava misturando-se aos sons de ambulantes e sirenes. A chaleira chia, vizinha estende roupa, cão que late, papagaio que canta, continuo procurando a toca de um coelho e a chave mestra, porém o que resta é meu gato debochado, com seu olhar performático sumindo aos poucos da cozinha, dizendo:
– Somos todos loucos por aqui.
O país das maravilhas é a terra do nunca.
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