Vias e veias correm pelas esquinas. Delírios, assombrações e fragmentados de passado, todos enfeitados com seus avatares. Reiniciar o sistema que nos prende ao presente é, por si só, um ato quase que de suicídio. Mas a que ponto iríamos para que o padrão parasse de se repetir? Assim o mundo gira. A cidade vibra lá embaixo, enquanto que do meu sobrado absorvo o gosto de estar parado no tempo. Todos paramos várias vezes por dia, quando conseguimos finalmente desligar do padrão hipnótico do cotidiano. Mas uma figura me tirou tino. Um cara, de mais ou menos uns 30 anos, 1.80 de altura, com uma ansiedade nítida, capaz de ser vista há quilômetros. Todo dia, o mesmo trajeto, as Mesmas pessoas interagindo e aquele cara vivendo no automático. Mas era uma figura aleatória nas ruas. Entretanto, todo dia, as 19:00 horas, escutava uma batida em minha porta. Abria e não havia ninguém. Isso persistiu por mais ou menos uns 2 meses. Eu já estava louco. Havia ameaçado as crianças da rua, os vizinhos e quem quer que fosse. Até que então bolei um plano infalivel: vou ficar de campana na porta pra ver quem entra e quem sai. Permaneci ali por 3 horas a fio e nada. Já se passava das 22 horas e nada entrou ou saiu daquele corredor. Desisti. Se alguém fazia isso todas os dias, com certeza estava preparado contra esse meu plano. Voltei pra dentro de casa e fui até a sacada da sala. Acendi meu cigarro e passei a admirar a noite. Como a noite traz coisas sedutoras, não é? As luzes amareladas, barulho de músicos pelos bares, pessoas conversando baixinho pelos cantos e até mesmo a balbúrdia de alguns botecos esparsos. Foi neste instante que eu vi aquele cara de sempre. Eu o chamava de automático já. Dessa vez segui ele por mais tempo com os olhos, então percebi que ele entrou em meu prédio. O sobrado onde eu moro, abriga mais 3 apartamentos no segundo andar e algumas kitnets no térreo. Ele entrou cambaleando pela porta da frente e o perdi de vista. Fiquei me questionando sobre nunca ter visto ele ali, somente nas ruas correndo de um lado para outro. Todos estavam silenciosos aquela noite no prédio. Entretanto, passados uns 15 minutos, uma batida rápida em minha porta. “Filho da puta. Conseguiu bater mesmo atrasado” pensei, e já sai gritando:Agora eu te pego, seu palhaço! Abri a porta e nada. Mas que inferno. Olhei ao redor, sai para os corredores, tudo em silêncio, exceto por passos rápidos na escada. Desatinei a correr atrás do sim dos passos. Mas quando termino os degraus tudo está em silêncio. Nada se mexe. Até a rua parece ter ficado silenciosa. Porém, escuto a porta da frente abrir: “Te peguei , otário!” pensei comigo novamente. Abro a porta que dá na rua e a cidade parece ter sido engolida pelo silêncio agonizante e infernal. O tédio é como se fosse uma grande guerra que vai te ganhando no cansaço, até que você não tenha mais vontade de nada e se entregue a procrastinação. Nesse momento, vejo o “automático “ correr até um bar e virar numa viela. “Não pode ser que esse corno é o idiota que vive batendo em minha porta e sumindo.” Pensei. Novamente me pus em disparada, mas dessa vez tinha um alvo fixo. Corri mais do que meu pulmão de fumante permitia, mas aguentei. Cada viela, esquina, bar, prédio e demais lugares que ele se enfiou, eu estava atrás. Gritei algumas vezes para as poucas pessoas que por ali estavam:
– Pega esse filho da puta aí! Mas a maioria delas pareceu nem notar a perseguição, bem como algumas ainda disseram:
– Esse aí enlouqueceu de vez. Não parei até entrar em um prédio singelo que o “automatico” correu. Puta que pariu: mais escadas. Subi caindo dessa vez. Estava morto, esbaforido e sem cigarros, fora que ia ter que andar de volta pra casa. Mas finalmente eu vi a porta aberta e os sapatos do homem. Entrei com tudo e não vi nada. Por incrível que pareça aquele apartamento era meu sobrado. Tudo estava em seu lugar. Procurei que nem louco pelos cômodos e não achei nada, apenas os sapatos que vi na porta. Quando voltei para levá-los, percebi que eu estava descalço e aqueles sapatos eram meus. Me olhei no espelho e reconheci o homem: eu correndo de mim mesmo para quebrar o padrão. Mas no fim, tudo está dentro do padrão. Querer ser diferente de todos é a maior demonstração de padrão que existe, pois todos os seres querem se destacar, mesmo que anonimamente. Alisar o ego e iludir-se de que você não é uma cópia, é o que faz o padrão continuar seguindo seu curso natural, desembocando em delírios de um sobrado. Acendi outro cigarro e apenas esperei o sono chegar. Quebrei o sistema ao aprender como ele funciona.
Yuri Cidade
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