Sem noção eu desabei no chão em uma contradição de filtros, os quais nem mais habitavam meus cigarros. Entre os esparros e desaforos, escrevi no meu encosto enquanto imaginava aquele clássico corvo negro a me olhar. Nunca mais, aqui jaz, um tempo atrás. O passado me passou como um churrasco fora do ponto. Tonto, enchi meu copo, e me pus à margem do óbvio, incitando as almas dos poetas já mortos, a me levarem aos destroços das minhas próprias aptidões. Os vagões de um trem desgovernado, descarrilham e se empilham na minha mesa de estudos. Os frutos da minha bancada de livros caem maduros como o puro néctar que brinda a clarividência filosófica de uma alma penada que se pôs a conversar comigo. Nevermore, super-homem, só sei que nada sei, eu sou o rei de reviver os ensinamentos alheios, aplicando-os no meu meio na forma da minha mente doentia. Se já é noite ou se ainda é dia, nem me lembro mais. Deixei pra trás o lapso temporal como quem larga o lápis e passa a declamar um monólogo solitário para seres imaginários que nem ao menos esboçam um aplauso. O causo que conto hoje é de um ontem que se fez relevante no instante que meus olhos cruzaram com a realidade. A enfermidade humana me transpassou e me jogou de encontro a mesmice. Abracei a idiotice para não ter que pertencer a um mundo que abolisse meus fetiches. Se o que escuto é samba ou soul, nada mais ecoa tanto do que som do que sou e mais nada. A minha alçada coube alocar meus pensamentos íntimos e continuar escrevendo publicamente uma autobiografia não autorizada por um padrão interno que luta para não se tornar externo. De terno, me disfarço de galã e provo da maçã que Eva arranca da árvore da vida. Se a serpente é o sinal da mentira, crio as próprias cobras em meu jardim. Nada mais veio até mim, pois tudo que quis foi o silêncio que habitava a soleira da minha janela. Se existe ela, eu não sei, mas acredito que ei de saber um dia, se o que beijo ao dormir é real ou mero deleite do que não vivi. Esqueci, permiti e parti pro confronto que me esperava na saída do portão. O vão entre a dúvida e a exatidão dando margem para que eu crie uma nova ilusão. Um trovão cortou o céu e a barreira sonora da aurora que já raiava diante da minha visão. Perdi a noção, passei a noite em claro parado com a sensação de ter viajado por horas. O agora se tornou tão irrelevante que no mesmo instante que se fez a realidade, eu estava a navegar em outras miragens, onde não há vantagem nenhuma em ser real. Choveu, correu e as roupas do varal molharam assim como se inundou meu peito de certeza que após a chuva ácida o sol traria sua clareza. A beleza de um cântico matinal se mistura com o meu café amargo. Procurei um trago, mas só encontrei os ratos que roeram as páginas do meu livro inacabado. O dia arde, ignoro a tarde e torço pra que a lua me brinde com a sua inspiração. O saber me colocou em rota de colisão com a ignorância, causando uma discrepância entre o que devo ser e o que sou. Eu vou. Pra onde? Não sei. Só sei que vou. Como a águia em voo solo, observei o mundo em sua imensidão. É difícil voltar a si quando a altitude te acostumou a tirar os pés do chão. Nas minhas mãos o sinal de devoção ao meu próprio cosmos. Meu sentido da vida se tornou tão óbvio quanto à rotina de levantar pela manhã e engolir o amanhã como quem engole um antidepressivo. Ainda há comprimidos suficientes para que eu libere minha mente de tudo que se tornou tão banal. Como em uma peça teatral, os personagens voltaram a ser atores, os amores a serem dores, e a cortina caiu assim que caí em meus cobertores. “Pra onde fostes, ó rei da filosofia barata?” Perguntou uma voz que parecia subir pelas escadas. “Para onde reinam as pragas que dizimam as ideias implícitas pelas almas pífias e dissonantes.” Então, tudo se calou no mesmo instante e o sono me derrubou como quem vai a nocaute. No auge de minha loucura, eu dei a última risada e tornei a morrer para na manhã seguinte renascer.
Yuri Cidade
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