O sono já tinha tomado conta da casa. Apenas minha TV tagarelava como se quisesse amenizar minha solidão. O chao era frio, rente aos espelhos a neblina da minha visão embaçada, encharcava meu cérebro de insônia. Mijei na esperança que expelisse meus demônios. O sono te deixa meio alucinado e paranóico. Conferi até meus copos para notar que estavam sóbrios, pois não tinha bebido hoje. O açoite se tornou a noite solitária em minha cama vazia de mulheres e razões. Em frações, as tensões correram meu corpo, impedindo de me mostrar ameno. Terreno feito um marginal, meu animal despertou e corria a lista do meu celular em busca de uma companheira vulgar. Mas nada pude achar. Minha bateria deu por acabar, assim como meus créditos e meu saco para encarar uma conversa vazia apenas para uma dose de sexo sem compromisso. Omisso da realidade, sentei na minha escrivaninha, acendi um cigarro e joguei letras numa folha, mas nada do.qje pensava se materializava nas mesmas. Uma forte tormenta desabara no meu telhado, fazendo de uma melodia aquática calma, uma grande explosão de pedras sobre minha cabeça. Tudo parecia ressaca. A noite mal começara e eu já estava de fogo. Aos poucos, minha lucidez se foi, e entre trocos errados e dízimos não pagos, me deparo no meu sofá, todo rasgado, assistindo um desenho animado que passa ás cinco da manhã. Não me recordava de nada. Minha porta escancarada me dizia: Bom dia vagabundagem! Meu.cachorro lambia restos de vômito no tapete da frente. A caixa de correio havia caido com a tempestade. Havia cheiro de perfume de mulher em mim misturado com o odor característico de um bar pé de chinelo. “Onde diabos estive?” Percebi que minhas roupas haviam sido rasgadas, perdi meus sapatos e meu supercílio sangrava escorrendo até a boca. Sentia o gosto do meu sangue, misturado com uísque barato. Os cravos, as tralhas, as falhas, tudo tinha se transformado numa perda de memória sobre fatos recentes. Meus dentes sujos de alguma coisa que vomitara. Mente amarga, coração pesado, espírito imundo, vi na porta dos fundos várias silhuetas a dançarem rindo e silabando: “Não lembra de nós, Yuri? Oh queridinho! Quantas noites nos divertimos quando tu se ausenta? Esquenta meus pezinhos novamente!” Rodeava meus olhos por toda casa, mas não via nada. Fechei as entradas. Apaguei as luzes. Me muni idiotamente de uma faca de cozinha. Tremia. Sangue escorria das minhas mãos. As risadas lá fora aumentavam. Dribalavam minha sanidade, o peso da idade me chocava, pois já não era mais criança pra ignorar as cabeçadas que dou na vida. As tripas me embrulhavam o estômago. Atônito me tranquei no quarto. Acendi as luzes e todas estavam lá. Todas as mulheres que eu havia transado e dispensado em.noites aleatórias como essa. Apaguei novamente as luzes, como se quisesse ignorar a realidade. Mas senti mãos e corpos junto ao meu, despertando insanamente um desejo. Eu não entendia como em meio ao medo eu sentia tesao. Eram claramente minhas assombrações de relações fracassadas a me comerem. “Se houver um Deus, ele jamais vai me perdoar. Acho que nem o diabo ousaria trepar com seus casos mal passados.” Desorientado, senti línguas entrando forçadamente pela minha boca. “Nós coma, nos destrua mais uma vez seu sacana. Sabemos do que você gosta.” Caí na minha poltrona e senti todas ao mesmo tempo saltando sobre mim. Tudo era tão confuso que mal podia sentir prazer, só me sentia excitado por uma obrigação assustadora. Parece que a morte tinha vindo em forma de uma orgia estupradora. Senti até mesmo minhas alma violada. Gozo após gozo, e nada delas ficarem satisfeitas. As estreitas portas da minha casa, bateram tão forte com o vento que no mesmo instante tudo silenciou. Eu estava na minha escrivaninha babando em cima dos livros e cadernos. Senti um alívio, mas ainda não entendia se tudo aquilo havia acontecido ou se era só um delírio erótico doentio. Eu estava sobrio, mas com uma ressaca infernal. O cigarro havia caido e queimado o carpete. As cinzas pareciam confetes de carnaval jogados pelos cantos. Tonto, andei até o banheiro e lavei meu rosto. Observei o lado oposto do jardim onde minha caixa de correio tinha voado. Apressado juntei-a e voltei pra dentro de casa, a chuva havia parado, mas o frio continuava. Fumando meu último cigarro, notei em cima da minha escrivaninha uma poesia a qual não sabia sua autoria, mas estava escrita no meu caderno:
“Entre as pernas você mora Desforra suas amantes Em instantes, faz de nós Apenas um após Do dia seguinte Rígido como uma esfinge Restringe sua virilidade A qualquer idade Que consiga abrir as pernas E sorrir desejando você entre elas A espera sempre ficamos Nós te odiamos Mas amamos teus anseios De gozar em nossos peitos Tu és o demônio Nosso buraco na camada de ozônio Desejo como um suicida Deseja seu fim Mas chorariamos sua morte Se tivesse a sorte De não responder a nossa vingança Ah minha travessa criança! Que faremos contigo? Amante, errante, apenas amigo No fim das contas um desconhecido Apenas no fim te digo: És um delicioso perigo Que gostamos de correr Mas quem você comeria Antes de morrer?” A única assinatura que encontrei foi a de um Baton roxo abaixo da poesia. Morbidamente eu ri e delirei sobre aquele papel. Rasguei-o, abri uma lata de cerveja e me atirei sobre a cama. Não havia dama, donzela, caseira, do lar, decente, indecente, santinha ou vagabunda, porém quando olhei para o teto, me deparei novamente com uma pergunta escrita em Baton roxo: “Ainda quer me comer?”
Yuri Cidade
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